sábado, 19 de março de 2011

O PAI


Tinha 7 anos e era muito orgulhoso - o que quer que isso signifique. Os cabelos cresciam-lhe espetados para a frente, como topete de pônei, e quando ele estava cansado, um dos olhos desviava-se um nadinha - menos porém do que há um ano. Sentia-se melhor agora que a casa não lhe dava mais aquela sensação de presença envolvente da situação horrível.

Passara o tempo em que tinha de subir para o quarto, sentindo a opressão de um ambiente que o magoava. Já não era assim, e não ficava mais estendido na cama, de noite, a ouvir um som que não era de facto um som, mas uma espécie de angústia, a respeito da qual não sabia sequer pedir uma explicação. Em casa, agora, estava bem. Na rua é que se sentia mal. Os garotos tinham começado onde o horror da casa acabara.

Sentara-se na saliência do rodapé da fachada e ficava a ver os táxis que passavam, um após outro, interminavelmente, amontoando-se quando o sinal fechava, e continuando a rodar quando aparecia a luz verde.

Quando o Alvin dobrava a esquina, a dois quarteirões de distância, podia pressenti-lo, e um calafrio lhe arrepiava a pele. O Alvin não lhe dizia nada. Nenhum dos garotos dizia coisa alguma; mas aquilo estava nos seus olhos, no olhar com que o olhavam, olhar que o mortificava com uma pungente sensação de vergonha culposa. A princípio fugira e evitava a companhia dos outros; mas nem sempre era possível fugir e, além do mais, sentia-se muito só. Talvez o primeiro não tivesse sido o Alvin. Talvez tivesse sido o Max ou o Georgie ou qualquer outro. Todos tinham começado mais ou menos ao mesmo tempo.

Estava ele naquele dia, sentado como de costume na saliência do rodapé da fachada a ver os táxis e a meninada, os velocípedes e os carrinhos de bebés, as amas e os garotos maiores a atirar bolas de ténis uns aos outros, de um lado para o outro lado da rua, por cima do trânsito. De súbito, um deles - o Alvin ou qualquer outro, não importa qual - gritou:

"Onde está o teu pai?"

O que devia ter respondido era: "Está a viajar." Mas não o fez. A pergunta atingiu-o como um soco na boca do estômago. Pelo menos foi assim que a sentiu. Sabia que aquilo era pura crueldade. Os garotos não queriam perguntar; queriam era dizer aquilo para o humilhar e ferir. Esta era a intenção.

Era verdade, sim, que o seu pai estivera fora de casa, viajando, centenas de vezes - mas não desta vez, sabia disso, e subitamente compreendeu que todos eles também sabiam. Não respondeu à pergunta.

Três garotos repetiram-na então com uma cantilena em uníssono:

"Onde está o teu pai? Onde está o teu pai? Onde está o teu pai?"


Apanhado de surpresa, mentiu: "O meu pai está em casa".

Desta vez foi mesmo o Alvin quem falou: "Ah, é? Então por que é que ninguém o vê?"

Após ter dito isso todo o seu ser se contraiu tenso. Tinha que sustentar o dito. Não podia recuar. Chegou a imaginar que o que dissera podia ser verdade. Sentiu impulsos de entrar em casa para averiguar - talvez ele estivesse na cave, na lavandaria ou atrás daquele monte de mato, no fundo do quintal.

Um dos meninos mais crescidos interrompeu, por um instante, o gesto de lançar a bola de ténis ao outro lado da rua e disse:

"Está maluco. Eles estão divorciados."

Aquela era a palavra! - a palavra contundente que todos murmuravam, que ninguém ousava pronunciar abertamente. Não podia nem perguntar o que significava, porque ela fazia parte de tragédia e ninguém, jamais, falava dela. Uma palavra acima do alcance da sua compreensão, sem sentido, louca - mas carregada de insulto.

Foi então como se se ouvisse a si mesmo perguntar repetidamente: "O meu pai está em casa?" E como se se visse arremetendo em ataques furiosos e rápidos, esmurrando ora um ora outro garoto, ao passo que todos eles riam e evitavam os golpes. Viu-se a si mesmo agarrando a Mary Finley e dando-lhe um pontapé na canela. Viu tudo isso como costumava ver as coisas quando estava para adormecer; coisas como o gigantesco gato cinzento que viajava no tecto elevado do combóio. Mas deve ter havido zanga, de facto, porque o seu pai saiu de casa, e a mãe levou-o para o quarto e leu coisas para ele ouvir, embora ele não conseguisse entender o que ela lia.

Depois desse incidente, porém, alguma coisa deve ter acontecido porque ninguém mais pronunciou a palavra, que estava entretanto sempre presente nos olhos de todos. Teria sido melhor que a gritassem na cara dele para que tivesse oportunidade de reagir. Mas não podia dar-se por achado porque os outros não a mencionavam, nem mesmo o Alvin.

Não podia dizer: "Está em casa, sim, a trabalhar." Não podia dizer: "Era mentira. Está fora, de viagem." E a coisa horrível continua ali, estagnada, apodrecendo dentro dele. Quando só, podia esquecê-la; mas não quando os garotos olhavam para ele, nem quando desviavam o olhar.

Por algum tempo, chegou a pensar em consultar Tony, o jornaleiro; mas foi deixando para depois e não pôde mais fazê-lo: A coisa horrível tinha afundado e fora-se aninhar no lugar em que as sombrias coisas secretas se encontram - todas as coisas vergonhosas como: 'porque foi que a cortina se incendiou?' Ou: 'que paradeiro levou o abre-latas novo?' Havia um montão de coisas assim, nas profundezas sombrias do esconderijo vergonhoso.

Naquele dia, sentou-se na saliência do rodapé da fachada e pôs-se a bater no chão com os saltos, daquele modo que estraga os sapatos, coisa que não se deve fazer. Ficou-se a olhar para os táxis que passavam. À esquerda, viu Tony sair de dentro da sua pequena loja e arrumar os jornais da tarde na banca exterior de madeira. Duas moças dobravam a esquina e entraram na loja do Tony.

Sabia que o Alvin se estava a aproximar. Vira-o dobrar a esquina a dois quarteirões - um quarteirão e meio, agora. Pensou em levantar-se devagarinho - bem devagarinho; em dar um soco na cara do Alvin. Tacteou o punho da mão direita com os dedos da esquerda.



De repente, uma sensação esquisita - uma sensação estranha e explosiva, no peito. Algo apenas pressentido tinha causado isso. Olhou rápido para a direita - e era verdade! O pai tinha dobrado a esquina e caminhava apressado para ele, a baloiçar, como era seu hábito.

A sensação sufocante paralisou-o. Susteve a respiração. Parou de bater no chão com os saltos. O queixo caiu-lhe sobre o peito e ele ficou sentado, imóvel. Fechou os olhos.

Ouvia os passos do pai na calçada. Pararam em frente dele. Sabia que o pai se sentara ao seu lado, na saliência do rodapé.

Ouviu-o dizer: "Olá!"

Respondeu: "Olá!" bem baixinho, sempre de olhos fechados.

E, subitamente,
gritou:

"Ele está aqui! Vocês querem vê-lo?"



dddd




John Steinbeck - Prémio Nobel da Literatura em 1962
in
Desafio Jovem

O Desafio Jovem é uma instituição que tem desenvolvido uma acção extremamente meritória
no tratamento e apoio de jovens toxicodependentes.

(Veja nos links)

terça-feira, 8 de março de 2011

DIÁRIO DE UMA PROSTITUTA



03/01
Gostaria que todos me apreciassem pelo que sou de facto. Mas sinto que a maioria das pessoas só se interessa pela minha beleza. Se ao menos eu tivesse uma amiga, alguém a quem pudesse confiar os meus segredos...

11/01
Os prostíbulos são os lugares mais solitários do mundo. Ali, nada é humano; cada um age como se estivesse diante de um objeto. Havia algumas mulheres que fingiam que tudo aquilo era bom, mas agiam desta forma para não ficarem loucas. Quando se está afundado no lodo, parece que não existe nada além, fora o lodaçal. Nenhuma prostituta sabe sair. É pior que a escravidão; é como estar morta em vida. A maioria se esconde atrás do sorriso e uma maquiagem berrante. Oh Deus! Como eu desejaria sair disto! Sinto que a vida é um abismo escuro e tétrico. Um despenhadeiro onde os dois extremos são o nascimento e a morte.

07/02
Sinto nojo quando me tocam. Alguns querem se achar sedutores, atuando como se eu fosse a mulher mais linda do mundo. Desgraçados! A única coisa que lhes interessa é tomar o meu corpo e usar-me. Tocam a minha carne, mas não tocam a minha alma! Nesta hora, escondo-me no fundo da minha mente e corro atrás de sonhos e lembranças. Vêem, tocam-me e vão embora. Ninguém pergunta quem eu sou. Hoje é mais um dia em que eu gostaria de estar morta.

22/03
Minha vida é um suicídio lento, tortuoso, fatalmente certeiro que vai me minando por dentro, tirando a minha vontade de viver, de enfrentar a vida. Às vezes, sinto que tenho 100 anos. Olho-me no espelho e vejo minhas carnes enrugadas, pálidas. Sinto que em mim habitam duas pessoas.

08/04
Nem todos os clientes querem ter relações sexuais. Alguns querem apenas um carinho, e pagam para que eu os escute. Que terrível! Seria preferível estar morto. Pagar para ser ouvido!

09/04
A maldita noite se aproxima. Com ela, um desejo de crueldade. A escuridão esconde as mais terríveis paixões. Durante o dia, sinto-me muitas vezes livre, mas quando a noite se aproxima, ouço o som da morte e do desprezo. Alguém tomará posse do meu corpo. Minha boca se encherá de veneno e meu corpo se renderá ao ritmo da loucura. Maldita noite! Deveria ser sempre dia...

15/06
Poderá Deus me perdoar algum dia? Sinto que levo em minhas costas uma grande pedra atada que não me abandona. Se ao menos eu pudesse dormir em paz.

17/06
Quando eu era menina, minha mãe me contava histórias. Ela falava sobre um homem respeitado que viveu por essas terras durante muitos anos e que um Deus diferente o guiava por todos os lugares. Esse Deus não exigia sacrifícios humanos, nem nada disso. Ele se conformava com um cordeiro oferecido num altar de pedras. Nada além disso.


18/06
Lá está novamente o velhinho na praça contando aquelas histórias. Muitas crianças sentam-se ao redor dele para ouvir os contos. Hoje ele falou a respeito de um tal Abraão, que era filho de Deus, do Criador. Cheguei perto para ouvi-lo. Ouvi falar de Moisés, de Enoque e Noé. Achei interessante.


27/08
Hoje senti a brisa fresca da liberdade batendo no meu rosto. Recebi dois hebreus em minha casa. Escondi-os é claro, para que não fossem apanhados. Eles foram a resposta aos meus clamores! Foram os primeiros homens que entraram em minha casa sem segundas intenções. Eles me falaram para colocar um pano vermelho em minha janela e prontamente obedeci. Percebi que o Deus deles estava me ajudando. Senti-me saindo do lodo. Depois de anos, o sol brilhou na meia noite da minha vida.

01/12
O Deus dos hebreus salvou a minha vida. Jericó ficou em ruínas, mas eu e a minha casa fomos preservadas. Ofereci a Ele um cordeiro. Devo a Ele a minha vida. Acho que isso é fé!

04/04
Pela primeira vez em minha vida senti meu coração pulsar de facto. Conheci um homem e não apenas isso: um príncipe! O nome dele é Salmom. Acho que estou apaixonada. E o melhor, ele também! Estou amando de verdade. Parece um sonho! Nunca um príncipe se apaixonou por uma ex-prostituta. Adeus ilusões! Como é lindo conhecer o amor. Ele quer se casar comigo. Estou tão insegura, mas tão feliz!

30/01
Hoje o dia foi intenso. Senti uma dor terrível. Nosso bebé não pára de chutar. Após anos de casamento, nunca senti tão fortes emoções! Acho que está quase para nascer. Pelo jeito, deve ser menino. Se for, queremos o nome 'Boaz'! Bonito, não? O que acha diário? Significa 'Nele está a minha força'.

Você deve conhecer o resto da história. Boaz, filho de Raabe, casou-se com Rute, que foram os pais de Obed, avô de David. Que maravilha! A graça de Deus alcançou uma prostituta e arrancou-a do lodo para fazer parte da linhagem real, linhagem do próprio Messias! (Mateus 1).


Essa Graça Ilimitada Está Disponível Para Nós Hoje.

Milton Andrade




RAABE - Uma Salvadora Perspicaz

Não há dúvidas que Raabe era uma mulher inteligente. Demonstrou um conhecimento impressionante da história recente de Israel e daquilo que Deus estava a fazer pelos israelitas ao aproximarem-se dos seus pais. Na verdade, parecia ter mais consciência da intervenção divina em favor de Israel do que os próprios israelitas (Observe a semelhança das suas palavras em Josué 2:9-11 com Josué 1:2, 11, 13). Além disso, fez um acordo de protecção com os espias, escondendo-os, e foi mais astuta do que os homens do seu povo que foram procurá-los.

Raabe também demonstrou iniciativa ao conseguir a salvação de toda a sua família. Era uma mulher de grande coragem, pois ajudar os israelitas era uma traição passível da pena de morte não apenas para ela, mas para todos os seus familiares. Uma vez tomada a decisão, não havia como voltar atrás.

Por fim, Raabe possuía discernimento espiritual, reconhecendo a disparidade entre o Deus de Israel e os outros deuses a quem ela e o seu povo serviam. O Deus de Israel era supremo - não compartilhava com ninguém a Sua soberania sobre os céus e a terra, como supostamente faziam os deuses pagãos (Josué 2:11).
A confissão de fé inicial de Raabe é vista no uso do nome Javé. Sem nenhuma corroboração ou informação do seu meio ou dos israelitas, ela empregou o nome de Deus segundo a Sua alianca, o nome proferido de Moisés quando os israelitas saíram do Egipto (Êxodo 3:14). Em seguida, mais uma vez sem nenhum incentivo de outros, agiu em função do seu compromisso com Deus e escondeu os espias. Esse tipo de fé incomum no meio do povo de Deus no Antigo Testamento é ainda mais extraordinário numa prostituta gentia.

Raabe é um exemplo de como tomar decisões certas e manter-se firme, mesmo quando isso significa opor-se aos seus semelhantes. Não é de admirar que Deus tenha honrado a fé e coragem dessa mulher colocando-a na linhagem do Messias. Boaz, um dos homens mais bondosos e justos do Antigo Testamento, era um dos seus filhos.

Deus honrou a fé e a coragem de Raabe ao colocá-la na linhagem, não apenas do grande rei David, mas também de Jesus, o Rei dos reis.

A Bíblia da Mulher - SBB

BONDADE DE DEUS

Ó Deus, tu és o meu Deus! Sem cessar Te procuro!
A minha alma está sedenta de Ti;
todo o meu ser Te deseja,
como a terra árida, exausta e sem água.
Quero ver-Te no Teu santuário
e contemplar o Teu poder e a Tua glória,
porque o Teu amor é mais precioso do que a vida!
Com os meus lábios Te louvarei
e toda a minha vida Te bendirei;
a Ti levantarei as mãos em oração.
A minha alma ficará satisfeita
como se tivesse comido uma deliciosa refeição.
Os meus lábios Te louvarão alegremente.

Quando estou deitado lembro-me de Ti;
se fico acordado, penso muito em Ti,
porque Tu és o meu auxílio.
Cantarei feliz debaixo das Tuas asas!
A minha alma está unida a Ti,
e a Tua mão mantém-me seguro.
Os que procuram a minha ruína
cairão nas profundezas do abismo.
Eles morrerão à espada
e serão pasto dos animais selvagens!
Mas o rei alegrar-se-á em Deus;
cantarão louvores os que juram por Ele,
mas os mentirosos serão calados.
Salmo 63

David após o seu reencontro
com Deus